Fotografias da epidemia da peste bubônica em São Luís

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Por Amanda Gato (historiadora)

 

No início do século XX, entre os anos de 1901 e 1906, São Luís passou por alguns projetos de melhoramento urbano, no intuito de embelezar e, principalmente, sanear as áreas insalubres para conter o avanço de doenças e epidemias.

No esteio do discurso republicano da modernização e do progresso, a cidade não poderia continuar vivendo com os diversos problemas estruturais urbanos e sociais relatados e denunciados diariamente pela imprensa local.

Enquanto a Intendência embeleza a cidade, o povo pacato e tolerante do nosso Maranhão é obrigado a andar como as rãs, pulando de charco em charco! Belo povo, que com pouco se contenta… E os jornais do dia que se amolem em clamar providências para que sejam demovidos os lodaçais que inundam nossas ruas prejudicando assim a saúde pública!” denunciava o Jornal A Campanha, em 1903.

Entretanto, mesmo com os relatórios e estudos sobre higiene e saneamento básico de São Luís acusando altos índices de enfermidades, os poderes dirigentes se omitiam em resolvê-los de fato, nem mesmo oferecendo os serviços básicos. Logo, o descaso com a cidade e, sobretudo com a população mais pobre era refletido na mórbida realidade social e nas chocantes condições sanitárias. Infelizmente, algo não muito diferente dos dias de hoje no Brasil.

Além da peste bubônica, São Luís enfrentou outros surtos epidêmicos com altos índices de mortalidade, como beribéri, tuberculose, lepra, febre amarela e varíola. No entanto, numa política de hierarquização de doenças, a peste era a que mais preocupava as autoridades políticas e sanitárias naquele período.

A peste bubônica chegou ao Brasil, em 1899, pelo porto de Santos, em São Paulo e logo se espalhou pelo restante do país, como Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre.

Aqui em São Luís, a porta de entrada também foi pelo porto, principal acesso de embarque e desembarque de produtos e de pessoas. A doença iniciou o seu contágio na cidade em 1903, prosseguindo pelo ano de 1904 e repetindo novos ciclos em 1908 e 1921.

Em 1904, a Revista do Norte publicou uma reportagem com oito páginas sobre o novo hospital de isolamento do Maranhão, dedicado ao tratamento dos doentes da peste bubônica. Na reportagem há informações sobre o seu funcionamento, descrições dos espaços físicos, sua organização e divisão das enfermarias por classe social e sexo, dados epidêmicos, além de sete fotografias ilustrando.

Capa da Revista do Norte com a fotografia da equipe de administração superior do Hospital de isolamento. Fotografia: autor desconhecido

Na capa da revista a fotografia da equipe que formava a administração superior do Hospital, o Dr. Victor Godinho ao centro acompanhado do lado esquerdo pelo Dr. Álvaro Sanches e a enfermeira Violet Small, ao lado direito a enfermeira Mary Baggott e o Dr. Gomes.

Em 1904, o Dr. Victor Godinho, que tinha experiência na administração hospitalar e no tratamento da peste bubônica, foi convidado por Collares Moreira, então governador do estado, para formar uma Comissão Sanitária e combater a peste em São Luís. Deste trabalho, resultou um extenso o relatório com dados detalhados sobre o a peste no Maranhão, incluindo gráficos e fotografias.

Gráfico do movimento de doentes e óbitos por quinzenas. Fonte: Relatório da Peste no Maranhão, 1904.

 

Fotografia da Comissão Sanitária. Autor desconhecido

 

Enfermaria Geral das Mulheres do Hospital de isolamento.  Autor desconhecido

 

Enfermaria de Classe para Mulheres.  Autor desconhecido.

As enfermarias do hospital eram divididas em quatro e por sexo: uma para mulheres de classe, com 12 leitos, uma para homens de classe, com 15 leitos, uma geral para homens, 30 leitos e outra geral para mulheres, com 32 leitos.

Existiam também quatro quartos particulares reservados com 2 leitos cada, para doentes de classe que fosse acompanhados por pessoas da família e de sexo diferente. No total, o Hospital dispunha de 97 leitos e, em caso de necessidade, o número poderia ser elevado para 147.

Enfermaria geral para homens, com médicos, enfermeiras e pacientes pousando para a foto

 

Enfermaria de homens de classe. Nota-se que os pacientes, aparentemente, não aparecem na imagem

Segundo os dados fornecidos pelo Dr. Godinho, o total de doentes não excedeu o número de 800 pessoas, entre os dias 17 de outubro a 20 de abril. E os casos conhecidos oficialmente pelo órgão de higiene eram de 648 pessoas doentes, sendo que destas, 195 faleceram em domicílio e 443 foram tratadas no Hospital de Isolamento. O número de casos da doença em domicílio foi confirmado através das visitas dos Inspetores Sanitários, incumbidos de mapear as casas e os doentes. O resultado das visitas detectou o número de 659 doentes de peste em toda a cidade de São Luís. Ainda segundo a revista, a mortalidade das pessoas com peste recolhidas nos hospitais foi de 39,50% e a mortalidade em domicílio obteve a alta taxa de 81%.

Além da vacinação da população, outra medida de enfrentamento da epidemia foi a desinfecção da cidade, ruas, casas, cortiços com focos foram desinfetadas sistematicamente. Para evitar a contaminação do interior do estado, foram feitas desinfecções em todas as embarcações, nas bagagens e nas roupas dos passageiros que partiam de São Luís.

Os funcionários só saiam do hospital em dias já determinados e com licença especial, além disso, o hospital fazia todo trabalho de higienização e desinfecção das roupas e objetos utilizados no próprio estabelecimento. O isolamento hospitalar era garantido, segundo a revista, “por um piquete de seis praças”, distante o suficiente da área central da cidade, situado no extremo da Rua São Pantaleão.

Área interna do Hospital, pátio, jardim e varandas.

A peste bubônica é uma doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados. No Brasil, foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a doença não tiveram resistência da população, ao contrário do que ocorreu com a varíola, que gerou do famoso episódio da Revolta da Vacina.

Para combater a peste, as autoridades sanitárias decidiram por medidas que evitassem a proliferação da doença como intensa limpeza e desinfecção urbana para a eliminação do principal vetor, o rato e a notificação compulsória dos doentes, o que ajudou no isolamento e no tratamento dos pacientes com o soro produzido pelo Instituto Soroterápico Federal, mais tarde conhecido como Instituto Oswaldo Cruz.

Não podemos esquecer que o Instituto Oswaldo Cruz ou Fiocruz vem, ao longo de 120 anos, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da produção de vacinas e medicamentos no país, bem como na formação de profissionais e pesquisas ligadas a área da saúde pública brasileira, com reconhecimento nacional e internacional por suas ações. Hoje, a Fiocruz integra o consórcio internacional para estudo e combate ao novo coronavírus.

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