Muiraquitãs, Cajari e Avalon

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Cajari, na Baixada Maranhense

Autora: Amanda Gato

Esta semana eu li um artigo sobre dois lindos muiraquitãs (amo!) encontrados numa escavação arqueológica nas estearias do Lago Cajari, na Baixada Maranhense, entre os anos de 1909 e 1940. O artigo científico, recém-publicado, avalia os muiraquitãs esmiuçando suas características através de uma análise simbólica e da sua evidência etno-histórica, demostrando, segundo os pesquisadores, que “os muiraquitãs das estearias foram importados do Baixo Amazonas, através de trocas entre grupos vizinhos, indicando uma circulação de bens de prestígio e certa interação social a partir do simbolismo destas pedras verdes”.

Uau! Eu pensei, que máximo! Não sabia que tinha esse tipo de artefato por aqui… Estupendo! Quando junta pedra e verde numa mesma coisa já me ganhou. Depois da euforia da descoberta veio o drama de saber que os dois muiraquitãs estão desaparecidos. Simples assim; e não na Batalha de Itororó do Quintana, mas, veja: desaparecidos por conta de um incêndio, de um incêndio no Museu Nacional do país, no que seria o lugar mais seguro para eles. Não é assim um despautério? Que raiva! Esbravejei. Esse país não tem memória. Uma lástima!

Cajari, na Baixada Maranhão

Bom, passada a irritação, o que queria dizer mesmo é que Cajari é a cidade natal da minha mãe. Fica pra lá da Ponta d’Areia, pras bandas de Viana. Embora não seja a mesma Cajari do lago dos muiraquitãs, tudo fica na mesma redondeza. A pequena Cajari, recentemente, voltou à tona como personagem de conversas com minha mãe, principalmente, sobre temas místicos e cosmogônicos, causos da infância como a visita de um disco voador que deixou a cidade nervosa e as histórias de visagem, curacanga, enfim, dos seres fantásticos da mata, do rio.

Desde pequena, Cajari me passava uma sensação diferente, uma coisa que eu não sabia explicar direito, talvez, o rio – deveras a grande força e atração – e a farra que a família fazia quando ia pra cidade, não sei, só sei que era/é bom. Parecia que a cidade não existia de verdade e só aparecia quando a gente chegava nela, que por acaso, era somente de barco, pelo menos até certo tempo. Por conta disso tudo, eu renomeei Cajari, carinhosamente, de Cajaron, em referência a Avalon, a ilha sagrada das “Brumas de Avalon”, a do filme, nunca li o livro. Hoje em dia, me achei uma criança um tico espertinha pela comparação, pela referência, convenhamos…

Guardo na memória de criança as viagens do barco barulhento (eu morria de medo de engatar o cabelo no negocio lá do motor), em época de cheia do Lago de Viana. As águas do lago, da viagem e da aventura desembocavam no belo rio Maracu, encerrando a travessia. Agora ela estava à vista e viva, enquanto “a coruja piava no galho, com a fome espetada no olho”.

Hoje ainda reconheço a cidade desse jeito, ainda chamo de Cajaron, embora já exista uma ponte que ligue a cidade (faz tempo) e o filme já tenha perdido um pouco de espaço dentro das minhas preferências.

A Cajaron da minha cabeça se confundia com a Avalon dos bretões. Pra mim, a imagem da minha mãe e das outras irmãs sob o comando da minha avó, de mulheres fortes e belas (era longa a fama das filhas de João Gato) é a mesma das sacerdotisas do filme, cada uma com seu papel fundamental na história do meu roteiro. Pois, como disse Virginia Woolf, “um cenário só sobrevive na estranha poça em que depositamos nossas memórias se tiver a boa sorte de se juntar a alguma outra emoção pela qual ela é preservada”.

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Fotos de Cajari de autoria de Amanda Gato

Duas imagens captadas do filme As Brumas de Avalon (The Mists of Avalon – estadunidense-tcheco-alemão de 2001), dirigido por Uli Edel e com roteiro baseado no livro The Mists of Avalon, de Marion Zimmer Bradley.

De uma maneira simples, podemos dizer que muiraquitãs são artefatos, em geral talhados em pedra, casco de tartarugas ou coro de cobras por povos indígenas e usados como adorno ou amuleto em cordões etc.

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