Poço Milagroso da Praia Grande

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O engenheiro civil Luiz Phelipe Andrès postou, em sua página no Facebook, no dia 12 de março de 2018, o artigo “Poço Milagroso da Praia Grande”, que o site Agenda Maranhão reproduz.

É a história da descoberta, em 1983, de um poço, na área da Praia Grande, no Centro Histórico de São Luís, durante a execução dos serviços do Projeto Reviver.

O poço foi construído para atender, ao mesmo tempo, dois prédios vizinhos de parede. O equipamento tem detalhes construtivos engenhosos como duas meias bocas situadas em níveis diferentes.

Uma meia boca do poço pode ser acessada no porão do casarão abandonado na premiada Rua do Giz, esquina com a Rua Humberto de Campos.

A outra meia boca do poço fica no quintal do casarão alpegado, na Rua do Giz.

Quem é Luiz Phelipe Andrès

Luiz Phelipe Andrès é o profissional que coordenou a equipe responsável pela revitalização da área da Praia Grande/Portinho por meio de projetos como o Reviver.

Foi um dos responsáveis por São Luís ser declarada, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) “Patrimônio Cultural Mundial”.

Poço Milagroso da Praia Grande

Autor: Luiz Phelipe Andrès

Em 1983, um ano após a inauguração da obra da Feira da Praia Grande, um pedreiro estava removendo duas lajes de concreto sobrepostas ao piso original de cantaria de lioz, de um grande sobrado ali nas proximidades.

Aqueles blocos, retintos de óleo queimado, teriam servido no passado como base de algum motor, mas então apenas descaracterizando o belo efeito das pedras portuguesas que costumamos encontrar nos sobrados da Praia Grande.

A primeira laje de concreto foi removida normalmente deixando aparecer o belo piso original. O pedreiro foi retirar a que ficava no canto mais escuro do salão. Eu estava no escritório no prédio em frente quando o operário foi me chamar para ver. Ele estava visivelmente assustado.

No local havia algo estranho, segundo ele.

Ao me aproximar, olhei para o local de onde havia sido removida a segunda laje de concreto. Ao contrário do primeiro caso, havia um buraco no piso. Aquela laje não havia sido concretada sobre outra pedra, mas sim fechando uma cavidade.

Mas a maior surpresa veio neste momento. Ao olhar para o fundo levei um susto! Passei um bom tempo sem entender de que forma eu poderia estar avistando um reflexo parecido com o brilho de céu profundamente azul faiscando intensamente num buraco no piso de um porão!

A falta total de uma explicação plausível entre o que meus olhos estavam percebendo e qualquer coisa aceitável pelo senso comum, me deixou meio zonzo.

A primeira coisa que me veio a mente foi “O Aleph”!
Eu estava me recordando quase que instantaneamente de um conto de Jorge Luís Borges que havia lido na juventude.

Nele o autor fala de um ponto misterioso encontrado no porão de uma casa muito antiga. Um dia ao entrar escondido naquele local ele avistara um brilho estranho na parte de baixo da escada. Ao fixar a atenção nesse ponto intensamente luminoso, inusitado e inexplicável, ele foi descortinando visões indescritíveis que revelavam fatos ocorridos ao mesmo tempo em diferentes pontos do universo.

O conto de Borges, uma obra prima do realismo fantástico, se desenvolve em torno desse achado inesperado. Confesso que foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. Mas passados os primeiros momentos de estupefação fui organizando os pensamentos.

Jogamos uma pedra no buraco e ouvimos o som de água. Mesmo já entendendo que havia água no fundo do buraco ainda não se podia explicar o brilho faiscante de um azul transparente só semelhante à visão de um fragmento do céu. Mas, como era possível se estávamos olhando o fundo de um buraco no piso de um porão?

Esta contradição causava uma sensação de tonteira. Assim solicitei ao pedreiro que ampliasse a abertura e fomos confirmando a existência de um poço sob as lajes de cantaria. Mas isto não explicava ainda a presença de luz! De onde viria a luz? Levamos mais de duas horas até descobrir a verdade sobre o insólito fenômeno.

Foram duas horas de uma mistura de ansiedade e satisfação de estarmos diante de uma descoberta fascinante. Duas horas em que oscilamos entre a perspectiva de um episódio digno do realismo fantástico de Borges à explicação técnica para um fenômeno que se transformaria logo em seguida em atração para todos que passavam pela área.

A explicação não era de todo simples. Era sim, fruto de obra de extrema engenhosidade dos portugueses que construíram o extraordinário acervo arquitetônico de São Luís. Tratava-se de um poço capaz de atender, ao mesmo tempo, a dois prédios vizinhos de parede. Para tanto estava situado na linha divisória dos terrenos. Sobre o diâmetro central de sua boca erguia-se o grosso paredão que separava os imóveis

O enigma aparente foi resultado de detalhes construtivos que permitiram que as duas meias bocas se situassem em níveis diferentes. A que ficava no terreno vizinho tinha abertura para uma área livre e que permitia a penetração dos raios solares. Os mesmos, atravessando a lâmina d’água cristalina produziam a coloração azulada e faiscante, como efeito normal da decomposição da luz

Ao se olhar pelo lado de cá, da boca que se abria para o porão escuro, se podia então capturar os efeitos destes reflexos. Especialmente nos horários de sol a pino. (Vejam a ilustração aqui abaixo).

Com um detalhe, no fundo dele se movia lentamente um único e enorme camarão de água doce que vivia há muito tempo na profunda solidão daquela masmorra líquida, mas que pela placidez de seus movimentos parecia estar em paz e à vontade.

Na época a notícia se espalhou pela vizinhança e logo tínhamos uma romaria de visitantes curiosos para conhecer a nova descoberta. “Falaram até em poço milagroso”.

Tempos depois tivemos que desocupar o imóvel por término de contrato. Devolvido aos proprietários ele caiu em desuso. Era uma fase de muito esvaziamento das atividades do bairro da Praia Grande.

Assim nunca mais alguém pode observar admirado o inusitado reflexo celeste ao mirar o chão de um porão escuro. Mais uma das maravilhas dos detalhes construtivos do nosso centro histórico que um dia voltará a ser uma atração encantadora e didática para jovens estudantes e um atrativo a mais para os turistas.

OBS: Este registro está no capítulo das Crônicas, na parte final de meu livro sobre o Centro Histórico de São Luís- Patrimônio Mundial, lançado em 2012 em comemoração aos 400 anos de nossa capital.

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