Luz para a Ilha do Medo

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Imagem de projeto piloto com parque de turbin de corrente de maré estão sendo desenvolvidos na França, Escócia e País de Gales, gerando entre 2 e 10 megawatt-hora, com o objetivo de se inserir na rede elétrica.

Estudo revela que a Baía de São Marcos tem um dos maiores potenciais do Brasil para produzir energia a partir de correntes de marés

Por Claudio Moraes (Ascom Ifma)

O incremento da demanda por energia ocorre em todo o mundo e tem levado à busca pela eficiência energética como um dos grandes desafios na atualidade. No Brasil, desde abril de 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) autorizou o consumidor a gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis e fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade.

O consumo de energia elétrica em todo o país, no mês de outubro deste ano, foi de 39.131 gigawatt-horas (GWh), de acordo com relatório divulgado, no dia 30/11, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O incremento do consumo pelo setor industrial no país, em relação ao mesmo período no ano passado, foi de 2,6% de acordo com o relatório da empresa estatal.

O consumo mensal médio de energia no Maranhão é da ordem de 978 GWh, conforme informações da Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás – empresa responsável por gerar energia elétrica aos nove estados da Amazônia Legal. O acréscimo, no setor residencial do estado, de acordo com o diagnóstico da EPE, foi de 10,2%, sendo superado somente por Mato Grosso do Sul (15,1%), Mato Grosso (12,6%) e Piauí (11%). No trimestre, o índice maranhense foi o maior da região Nordeste por dois meses consecutivos chegando em agosto a 5,1% (quando ocupou o segundo lugar nacional) e a 4% em setembro (quinto do país no mês).

A pesquisa

 

Foi nesse cenário que o professor do curso de Eletrônica do IFMA Campus Alcântara, Bruno Gomes de Sá, realizou uma pesquisa de micro geração de energia de corrente de maré. Ele utilizou dados coletados no canal marítimo da Ilha do Medo, em São Luís, com o objetivo de prover a ilha de energia elétrica.  O trabalho foi desenvolvido no ano de 2017, em parceria com outros pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão, durante o seu Mestrado em Engenharia de Eletricidade da UFMA, sob a orientação do professor Denisson Oliveira.

O pesquisador dimensionou uma micro usina para atender, de forma ininterrupta, um sistema isolado na Ilha do Medo, que se encontra localizada próximo à Ponta da Espera, em São Luís. “Meu estudo consistiu em estudar o potencial energético contido na Baía de São Marcos e fazer o dimensionamento de usinas com base neste tipo de energia para atender uma carga prevista”, explicou Bruno de Sá.

A usina será implementada nos próximos anos como projeto piloto, por meio do Instituto Nacional de Energias Oceânicas e Fluviais (Ineof), sob a coordenação do professor Osvaldo Saavedra (UFMA), com recursos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

O trabalho buscou solucionar o problema de determinar o custo total mínimo (o número e potência das turbinas que compõem a usina e o tamanho dos dispositivos de armazenamento), de forma a atender a carga necessária.

A pesquisa analisou, ainda, a melhoria dos índices de estabilidade de tensão com a integração de uma usina de corrente de maré. “Foi criado um índice de mensuração que na prática auxilia na decisão sobre o melhor ponto para a integração da usina com a rede elétrica já existente”, explicou o pesquisador do IFMA, Bruno Sá.  “Essa integração é melhor próxima aos barramentos com índices ruins e não nesses próprios barramentos, sendo que a localização ótima é apontada pelo melhor índice calculado”, prosseguiu. “O índice criado ajuda na tomada de decisão final da integração da usina com a rede, apesar de não ser o único critério considerado para isto”, afirmou.

Potencial maranhense

Os estudos revelaram, ainda, que a Baía de São Marcos, próximo a Alcântara, possui um dos maiores potenciais energéticos do Brasil neste tipo de energia. “Os locais mais favoráveis ​​para a exploração da energia oceânica caracterizam-se por intensidades de corrente elevadas e altura média alta da maré, bem como batimetria e maré adequados”, ponderou o pesquisador. O potencial de energia disponível na costa do estado do Maranhão foi estimada em 22 TWh / ano. “Para obtermos esse valor teórico, consideramos a variação das correntes marinhas, bem como a curva de demanda de energia para obter o potencial energético disponível”, afirmou Bruno de Sá. “Iremos comprovar esse  número na prática em trabalhos futuros mas, em termos de correntes de maré, a Baía de São Marcos no Maranhão e o Canal de Varador no Amapá devem ser destacados”, apontou o professor do IFMA Campus Alcântara.  No Brasil, as maiores amplitudes e velocidades da maré estão no Norte e Nordeste, nos estados do Amapá, Pará e Maranhão. “No entanto, o Brasil ainda não possui um inventário potencial de correntes de maré”, ponderou o pesquisador.

Turbinas no mar

A corrente de maré é um dos seis tipos de energia oceânica e, de forma simplificada, é uma usina eólica dentro do mar. A geração de energia oceânica através da corrente de maré possui características semelhantes à geração eólica, na forma de modelagem da potência mecânica transformada da energia cinética (devido ao seu movimento).

Trata-se de uma forma sustentável de geração de energia, pois não emite gases de efeito estufa nem necessita alagar áreas. Também é uma fonte de comportamento previsível devido ao comportamento estável da maré, ao contrário das fontes eólicas e solar.

A geração de energia das turbinas de corrente de maré ocorre a partir do deslocamento da massa de água com velocidade vindo de encontro perpendicular com a turbina, transformando energia cinética em mecânica. No eixo da turbina está acoplado um gerador elétrico que transforma energia mecânica em elétrica.

Da energia cinética total da massa de água que vem de encontro à turbina, apenas uma parcela dessa energia é transformada em energia mecânica.  Para maximizar a geração de energia elétrica é importante rastrear o melhor ângulo de ataque para obter o valor máximo de desempenho. Isso depende da velocidade da massa de água, do raio da pá da turbina e da velocidade angular desenvolvida pela turbina. E esse foi o trabalho do pesquisador Bruno de Sá, ao criar um índice que auxilia na decisão sobre o melhor ponto para a integração da usina com a rede elétrica já existente.

A maré e a corrente de maré possuem um movimento periódico. “Modelar exatamente a velocidade da corrente de maré em um estuário não é simples, devido à influência dos ventos, o atrito no fundo, as diversidades do canal e sua constante alteração devido ao desgaste”, ponderou o pesquisador do IFMA Campus Alcântara.

O aproveitamento das energias oceânicas está se tornando ponto de interesse nos estudos de projetos pilotos ao redor do mundo. E isto se deve aos avanços tecnológicos, como mapeamento marítimo, técnicas de simulação matemática e modelagem computacional, assim como o desenvolvimento de turbinas mais eficientes, o que permite viabilidade comercial dessa fonte.

O potencial energético das energias oceânicas ultrapassa 95 vezes o consumo mundial de energia. “No futuro elas podem ser responsáveis por uma parcela considerável da matriz energética de alguns países ou uma fonte indispensável no atendimento a sistemas isolados”, frisou Bruno de Sá.

Internacionalização da pesquisa

Os resultados da pesquisa realizadas pelo professor do IFMA deram origem a dois artigos internacionais.

O primeiro foi apresentado pelo próprio professor do IFMA, Bruno de Sá, em Montevideu, Uruguai, no Congresso Internacional URUCON – IEEE (Institute of Electrical and Eletronics Engineers), na cidade de Montevidéu em outubro desse ano. “Trata-se da maior organização técnica profissional em avanços tecnológicos do mundo”, afirmou o pesquisador. Nesse trabalho, foi apresentado o índice criado para decidir o local ótimo, próximo a disponibilidade energética, para a integração da usina de corrente de maré na rede elétrica.

O segundo foi apresentado por seu orientador Osvaldo Mendez, em Mar Del Plata, na Argentina, no mês passado, no Latin-American Congress on Electricity generation and transmission. Nele foi apresentado o dimensionamento ótimo de uma micro-usina baseada em correntes de maré para sistemas isolados.

Usina para o Campus Alcântara

O professor pretende desenvolver projetos futuros nessa área para estudar a viabilidade técnica da implantação de uma micro usina para atender o IFMA Campus Alcântara. O trabalho será dado continuidade no doutorado, quando ele irá estudar o planejamento do crescimento da carga ao longo dos anos. Também irá propor um novo índice de modelagem da velocidade de corrente de maré para um canal, além de políticas de operações do sistema híbrido (bateria e corrente de maré) para o prolongamento da vida útil das baterias.  “Após esse estudo vamos desenvolver um outro parecido ao primeiro, em que analisaremos a viabilidade de um sistema híbrido com mais fontes: corrente de maré, eólica, solar e baterias”, afirmou Bruno de Sá. “Decidiremos, a partir dos resultados, qual o mais viável e quanto é o recurso necessário para atender toda a carga do campus, seja total ou parcialmente”, finalizou o pesquisador.

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