Joedson Marcos Silva, professor de Filosofia da UFMA
Pierre Verger, nascido em 1902, em Paris, foi um destacado fotógrafo e antropólogo, estudioso da diáspora africana. Ele viajou os quatro continentes e documentou diversas culturas e civilizações, tendo o seu trabalho fotográfico publicado em revistas como Daily Mirror, Paris-Soir, Life e Match.
Por sua importância, Verger mereceu algumas biografias. Uma delas é “Pierre Fatumbi Verger: um homem livre”, escrita pelo sociólogo Jean-Pierre Le Bouler, editora Fundação Pierre Verger, lançada em 2002. O livro mostra a vida do fotógrafo, desde a sua infância na França até a sua fixação na Bahia, narrando suas viagens e os seus estudos das religiões.
Em uma parte do livro de Jean-Pierre Le Bouler, ao escrutinar o cuidadoso trabalho de pesquisa do biografado, o autor permite que conheçamos uma importante descoberta do antropólogo francês relativa a um episódio da história das religiões afro-brasileiras em São Luís.
Em visita a capital maranhense, em 1948, Verger foi ao encontro de Mãe Andresa, que presidia a casa responsável por introduzir o culto dos voduns do Daomé no Brasil. Na lista dos deuses daomeanos cultuados ali, constavam os seguintes nomes: Zomadonu, Naiadonô, Aronovissava, Bepaga, Sepazin, Maitê, Agongonô e outros.
De posse dos nomes dos voduns passados por Mãe Andresa, Verger segue para a fronteira do Daomé (situado onde hoje é o Benin) com o Togo. Lá viviam “os ‘minas’”, vindos da região conhecida por Castelo de São Jorge de Mina, no Gana (antiga Costa do Ouro). A empreitada, no entanto, é frustrada, já que os nomes colhidos por Verger em São Luís eram completamente desconhecidos no local de sua primeira investida.
Verger, então, passa a mergulhar em documentos dos séculos XVII e XVIII e descobre que expressões como “negro mina” e “negro da Costa da Mina” abreviavam e faziam referência a “negro da costa situada a leste do Castelo de São Jorge da Mina”. Trata-se da região chamada em outras épocas de Costa dos Escravos, entre os rios Volta e Lago.
Os escravos chamados no Brasil de negros Mina, portanto, não eram procedentes da Costa do Ouro, como inicialmente pensava Verger. Eles, na verdade, eram adquiridos nos portos situados mais ao leste ao longo da chamada costa do Daomé.
Foi somente em Abomé, capital do antigo reino do Daomé, que os nomes dos voduns apanhados em São Luís foram reconhecidos em território africano. Nas palavras de Verger, esses nomes “fizeram maravilhas” e acabam por tornarem-se “senhas, que ele usa junto a Mivede, sacerdote abomeano de Zomadonu”, um dos voduns citados por Mãe Andresa.
Uma vez identificados, agora, sem muitos obstáculos os voduns, fica-se sabendo que todos têm ligações “com os membros da família dos sete primeiros reis de Abomé, ou com alguns dos próprios reis, de Dakodonu (que reinou de1625 a 1650) a Agonglo (cujo reinado estendeu-se de 1789 a 1797)”.
Tendo em mãos um inventário de vinte voduns classificados na ordem listada por Mãe Andressa, identificados a partir de então como reis de Abomé, uma análise do estudioso permite concluir que nenhum deles é posterior ao reinado de Agonglo. A partir destas informações, Verger cogita a possibilidade de Na Agontimé, mãe de Ghézo e viúva do rei Agonglo, ter sido deportada para São Luís, como escrava, trazendo consigo o culto dos voduns reais de Abomé para a Casa das Minas.
Em 1952-1953, em um texto intitulado “Teria o culto dos voduns de Abomé sido trazido a São Luís do Maranhão pela mãe do rei Ghézo?”, o estudioso francês explora o tema, mas, segundo as palavras de Jean-Pierre Le Bouler, somente em 1985 que essa questão passa a ser compreendida.
O desenlace final da investigação de Verger, no entanto, aparece num texto de 1990 sobre a rainha exilada e a vinda do culto dos voduns para São Luís, cujo título categórico parece mostrar que está esclarecida para o pesquisador a questão a que ele se dedicara: “Uma Rainha Africana em São Luís”.
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