Artigo: Celso Bordes (poeta e jornalista)
Naquele dia, 10 de junho, a seleção brasileira ia jogar sua terceira partida na Copa do Mundo do México, em 1970, contra a Romênia, e eu me preparava com minha irmã Tereza pra gente se apresentar na festa do dia da raça, da língua portuguesa, na sede do Lítero, que ficava na Praça João Lisboa, perto do Correio, centro de São Luís. Mamãe fazia aniversário naquele dia e enchia a boca pra dizer: Hoje é dia de Camões, autor dos Lusíadas. E eu nem sonhava que aquele cara, meio cego, seria um dos símbolos do meu brasão de poeta.
Eu e Teca iríamos dançar com outras crianças o Verde Gaio, uma canção lusitana tradicional. Eu tinha 11 anos e ela, oito. Estava feliz em poder participar da festa, mas preocupado com o resultado do jogo. Meu sorriso não revela nenhum sinal da timidez que me acompanharia dias e noites durante toda a vida. Quantas vezes na adolescência não voltei pra casa arrasado depois de participar de uma festa e não conseguir tirar nenhuma menina pra dançar. Mas isso é outra história.
O futebol era o centro de minha vida naqueles dias. Enquanto me vestia em casa, escutava o jogo pelo rádio. Quando saímos, o Brasil vencia por 2×1. No trajeto para o Lítero, a voz do locutor de rádio e os foguetes anunciaram mais um gol. No final deu Brasil, vitória por 3×2, dois gols de Pelé e um de Jairzinho. Dumitrache, centroavante da Romênia, faria um dos gols do adversário e dias depois se tornaria um dos meus jogadores de botão preferidos, feito de baquelite, um tipo de plástico duro.
Dias depois da apresentação no Lítero, mamãe nos vestiu com a mesma roupa usada na festa e nos levou para tirar uma fotografia no Foto Mendonça, de seu Mendonça, que mais tarde eu descobriria ser tio de meu amigo Beto Matuck, cineasta. E quanta coincidência, porque Beto também aniversaria no dia 10 de junho.
Mamãe fazia 36 anos. Hoje faz 86. O tempo passa veloz na minha cabeça e procuro trazê-lo lentamente para perto de mim, para guardá-la com a calma e carinho que ela merece. E para me lembrar do quanto pareço com a alegria elétrica que ela acendeu em mim. Sorriso e urgência que carrego pelos dias de sempre. Eu passei muito tempo pra saber que a mulher que eu amei, que amo e que amarei será sempre a mulher como é minha mãe. O nome dela é Maria.
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