OS Borges vão ao Foto Pantoja

Publicado em:

 

 

Meus avós portugueses Antonio da Silva Borges e Eugênia Nunes d’Oliveira Borges. Da esquerda pra direita, o primogênito, José Primeiro, aos quatro anos; Fátima, no colo, com nove meses; Ana Rosa, com dois anos e meio; e José Segundo, com um ano e meio.

Fotografia tirada no Foto Pantoja em São Luís, 12 de janeiro de 1932.

 

Por Celso Borges (poeta e jornalista)

Esse aí de paletó, em pé, é meu avô, Antonio da Silva Borges, ao lado de sua esposa, Eugênia Nunes d’Oliveira Borges e seus quatro primeiros filhos.

Descobri essa imagem recentemente, arrumando fotos antigas de mamãe, hoje, com 86 anos, na casa onde mora no Olho d’Água.

Seu Borges nasceu em Espinheira, freguesia de São Martinho de Gândara, conselho de Oliveira de Aziméis, distrito de Aveiro, em outubro de 1899.

Chegou ao Brasil com pouco mais de 12 anos de idade, em 1911, três anos depois do assassinato do rei de Portugal, D. Carlos e do seu filho e herdeiro, o Príncipe Real D. Luís Filipe de Bragança, e um ano após a proclamação da república portuguesa. Talvez aí esteja uma explicação histórica de sua mudança para o Brasil. Ele foi apenas um dos mais de 50 mil portugueses que saíram de Lisboa logo após o fim da Monarquia.

Antonio da Silva Borges veio para São Luís com Manoel Fernandes, amigo da família. Juntaram-se a João Psylandher, futuro cunhado de vovô, que montou, algum tempo depois, em 1917, uma casa comercial, o Baptista Nunes, na Rua 28 de Julho 117 (Rua do Giz) onde, hoje, é o hotel Portas da Amazônia.

Em São Luís, primeiro foi ajudante do comércio, depois auxiliar de escritório, guarda-livros e, mais tarde, sócio gerente do Baptista Nunes. Junto com ele, vieram também seus irmãos, todos com o sobrenome da Silva Borges: José, mais tarde proprietário da Mercearia Neves, Manoel e Domingos, este último fundador da Mercearia Lusitana, precursora da rede de supermercados Lusitana.

O Baptista Nunes deu tão certo que vovô acabou tornando-se um portuga importante na cidade. Tinha um espírito filantrópico e ajudou financeira e administrativamente várias instituições beneficentes, chegando a ser, na maioria das vezes, diretor delas: Hospital Português, Santa Casa de Misericórdia, Orfanato Santa Luzia e Seminário Santo Antônio.

Foi também vice-cônsul vitalício de Portugal no Maranhão e um dos idealizadores e fundadores do Grêmio Lítero Recreativo Português. Foi ele quem comprou o terreno que se tornaria a sede esportiva do Lítero durante muitos anos. Autoproclamava-se apolítico e apesar de ter aderido à maçonaria, deixou de freqüentá-la depois de um certo tempo.

Não tinha vícios mas gostava de tomar de vez em quando uma cerveja preta chamada Gato Preto, marca famosa de bebidas e cigarros. Maria Antonia, uma de suas cinco filhas, conta que quando estava bem humorado, ele costumava recitar uma poesia que aprendera ainda solteiro. Não foi esse o homem que conheci. De cara fechada, nunca ouvi dele uma gargalhada sequer. Na hora do almoço, invariavelmente, exigia que todos os filhos e netos ficassem calados. Colocava o guardanapo preso na camisa próximo ao pescoço e iniciava um ritual diário de mastigação e silêncio, só rompido pelo tradicional “Come e cala-te”, dirigido a quem o desobedecia. Na hora da celebração, Seu Borges preferia o silêncio, dele e de todos. Era possível ouvir, então, o vento que varria a casa do Olho d’Água e o seu grande quintal. Ar de sal e areia, humana matéria de toda a minha primeira vida.

Seis azulejos de origem portuguesa batizando o barracão dos Borges no Olho d’Água

 

Antes de entrar na casa, em cima da porta principal, seis azulejos de origem portuguesa batizavam os Borges que viviam ali quatro meses do ano:  Barracão 14 Irmãos, homenagem ao número de filhos que seu Borges teve (nove homens e cinco mulheres) com sua mulher Eugênia, portuguesa de Travassô, Águeda, uma moura parideira, que morreu aos 51 anos, no Rio de Janeiro, no meio de uma consulta médica.

Sorriso raro de vovó Eugênia em 8 de fevereiro de 1953 segurando Fátima, primeira neta, com pouco mais de três meses.

A foto é de meu pai, Mário Araújo

 

Dona Eugênia e Seu Borges tiveram 21 filhos, mas apenas 14 sobreviveram. Os nove homens receberam o nome de José e foram numerados: José Primeiro, José Segundo, José Terceiro, até chegar no Nono.

Das cinco mulheres, quatro são Maria e uma Ana, a mais velha.

Apenas José Primeiro, Terceiro e minha mãe, Maria Eugênia, nasceram em Portugal. Todos os outros são de São Luís.

Ainda há muitas histórias pra contar dessa família e quero publicá-las daqui a alguns anos. Para isso, silenciosamente e sem pressa, venho reunindo, desde 2006, imagens e palavras que vão resultar no livro QUASE TODOS OS DIAS.

Papel da seda que reveste a imagem da Família Borges

 

NOTA

Por José Reinaldo Martins (jornalista, pesquisa a história da fotografia)

As fotografias e o artigo de Celso Borges, disponibilizados aqui no site Agenda Maranhão, ajudam a revelar pormenores técnicos e de conteúdo importantes à história da fotografia do Maranhão.

Um detalhe interessante, analisado pelo fotógrafo Eduardo Cordeiro, é o papel da seda que reveste a imagem captada pelo Foto Pantoja.

Eduardo Cordeiro explica que essa seda era um papel de gramatura bem leve, transparente, com marca d’água, usado para cobrir a imagem. “Além da proteção era um charme. O uso era condicionado ao produto. Nos álbuns era usado obrigatoriamente”.

Com relação ao Foto Pantoja há, ainda, poucas informações. Na minha pesquisa de mestrado sobre história da fotografia no Maranhão, centrada no fotógrafo Gaudêncio Cunha, há dados sobre as atividades da Família Pantoja em São Luís

O primeiro a chegar a São Luís foi Gregório Pantoja de Oliveira. Ele e Gaudêncio Cunha saíram, juntos, de Belém, com a intenção de trabalhar no Maranhão. Chegaram entre o fim da década de 1880 e meados da década seguinte. Os dois podem ter feito uma sociedade ou Pantoja apenas trabalhou em uma sociedade que Gaudêncio Cunha abriu com o irmão.

Clodomir Braga Pantoja, filho de Gregório Pantoja, seguiu o ofício do pai. Ele concedeu depoimento registrado em um projeto de pesquisa promovido pela Fundação Nacional de Arte (Funarte, do Governo Federal).

Segundo Clodomir Pantoja, que tinha 83 anos quando conversou com os pesquisadores, o seu pai trabalhou na Photographia Fidanza, em Belém, onde Gaudêncio Cunha também deve ter iniciado suas atividades fotográficas.

O historiador Antônio Guimarães informa que Gregório Pantoja conduziu a Photographia Pantoja que ele (ou pai dele) montou na Rua Formosa (Afonso Penna, 112), em um imóvel que tem a fachada revestida em azulejos em alto relevo e onde, hoje, funciona a Pousada Colonial. Este é o provável local onde a Família Borges foi retratada.

Copyright © AGENDA MARANHÃO - Desenvolvido por TodayHost