Raposa no tempo do filme Super 8

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Texto e pesquisa: João Ubaldo de Moraes (jornalista e documentarista)

 

Este texto é uma espécie homenagem e reconhecimento ao cineasta maranhense, nascido ludovicence, Jorge Rodrigues, hoje com 70 anos e morando em Brasília. Ele é autor do filme curta metragem, “Pescadores da Raposa”, que vai completar, em 2023, 45 anos de produzido. É graduado em Publicidade, Propaganda e Relações Públicas pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), sempre trabalhou na área audiovisual e é autor de sete documentários sobre os mais diversos temas.

Jorge Rodrigues não é lembrado, mas o filme “Pescadores da Raposa”, talvez, seja a única e uma das mais belas e completas memórias desse belo cenário da Ilha de São Luís. Estou prestando essa homenagem a ele por ser um dos nossos pioneiros no cinema no Maranhão.

Inclusive, Jorge Rodrigues realizou outro filme sobre sua terra natal, denominado “Papagaios de Guerra”, 16mm (1986), do qual integrei a equipe como assistente de câmera. O curta é sobre a brincadeira do papagaio (pipa), mostrando a atividade da construção as lanceadas (batalhas) entre os papagaios nos céus de São Luís. Jorge Rodrigues é um conhecedor e hábil intérprete da realidade maranhense, qualidades que ficaram sobejamente demonstradas nos seus dois filmes dele sobre o Maranhão.

O filme “Pescadores da Raposa” não faz parte, exatamente, do chamado “Ciclo de Cinema Super 8 do Maranhão”. Entretanto, pode e deve ser incluído como um legítimo representante desse momento mais importante da nossa cinematografia, ocorrido entre 1974 e 1985, o qual envolveu mais de 30 realizadores e, por meio do qual foram produzidos cerca de 140 filmes de curta metragens.

A legitimidade do pioneirismo de Jorge Rodrigues no cinema maranhense, se dá principalmente, porque ele é maranhense, realizou filmes sobre o Maranhão com uma propriedade técnica e artística como qualquer um de nós, realizadores pioneiros e festejados cineastas locais.

O maior destaque de “Pescadores da Raposa” é a forma madura de abordagem de um tema com forte conteúdo social e antropológico buscando explicações para nossas origens, enquanto, na mesma época, a maioria dos nossos realizadores produziam filmes com preocupações eminentemente sociais, políticas e artísticas.

O filme é um belo documento sobre o povoado de Raposa (hoje um município). Foi generosamente cedido pelo produtor e diretor para o projeto que está resgatando filmes desse período, por minha iniciativa, numa parceria com o cineasta Joaquim Haickel do Mavam (Museu Audiovisual do Maranhão).

Este cenário fascinante, composto pela vida dura dos moradores da praia da Raposa e a cultura herdada dos primeiros moradores, migrantes cearenses, foi o tema escolhido por Jorge Rodrigues para fazer seu curta metragem, para mim, o melhor e mais completo filme realizado, até hoje, sobre essa comunidade.

“Pescadores da Raposa” teve uma carreira de relativo sucesso em festivais e mostras pelo país. Recebeu o prêmio de Melhor Documentário, na IV Mostra Nacional do Filme Super 8, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Curitiba (1978). Ganhou, também, o prêmio de Melhor Fotografia no II Festival de Brasília do cinema Super-8 (1982).

 

 

Ficha Técnica

Direção, Fotografia e Edição: Jorge Rodrigues

Som: José Nava Música

Tema musical: Pescadores da Praia da Raposa, composta e executada pelos autores Jesiel Romero (violão seis cordas) e Jorge Rodrigues (violão 12 cordas).

Texto: Jorge Meireles.

 

Onde Pecadores da Raposa está disponível

No meu Canal do Youtube (João Ubaldo de Moraes) em duas versões.

Versão completa em português

(www.youtube.com/watch?v=mwVjJLVLIHI)

Versão com caracteres em inglês

(www.youtube.com/watch?v=hUMv4fRgvfs&t=11s)

 

No canal Youtube do cineasta Jorge Martins Rodrigues ( www.youtube.com/c/JorgeMartinsRodrigues/videos)

No Facebook facebook.com/jorge.martinsrodrigues, juntamente a filmografia.

 

Filmografia de Jorge Rodrigues

– O Caçador – 1977

– Pescadores da Raposa – 1978

– Serra Velha dos Cristais – 1984

– Papagaio de Guerra – 1986

– O Boi do Mamulengo – 2005

– Casa de Lairson – 2009

– Estações da Cidade – 2010

 

 

O cenário do filme Pescadores da Raposa

Na década de 1970, a cidade de Raposa, localizada na Ilha de São Luís, não passava de um povoado com algumas dezenas de casas de alvenaria e muitas outras, a maioria, cobertas de pindoba (palmeira de babaçu), habitadas por famílias de pescadores, agricultores de subsistência, artesãos e pequenos comerciantes de pescados e produtos de primeira necessidade consumidos pela comunidade.

Dizem, os moradores mais antigos, que o assentamento da praia da Raposa se deu por acaso, com a chegada de Antonio do Pucal e José Baiaco, migrantes cearenses fugidos da grande seca que assolou o Nordeste do Brasil no final da década de 1940.

Os dois companheiros, pescadores, eram, também, agricultores, ofício necessário para reforçar o pão de cada dia. Se viram obrigados, involuntariamente, a abandonar as respectivas famílias e numerosos filhos no Ceará para sair a busca dias melhores em outras regiões.

Pucal e Baiaco eram homens esculpidos e curtidos pela vida madrasta do semiárido brasileiro. Abandonar as posses de terra nunca foi uma solução considerada. Entretanto, há cada ano que passava, a coragem ia ficando exaurida pelo incontável número de vezes que viram suas pequenas roças de subsistência murcharem entre os pequenos torrões de terra que segurava as raízes natimortas dos pés de feijão, milho e legumes, por excesso de sol e ausência de chuvas. Nem as preces e novenas dedicadas ao senhor São José pareciam adiantar mais. Deus Pai parecia exigir sempre mais e mais para continuar mantendo a vida. Tinham sempre que buscar água potável há quilômetros de distância, para beber e cozinhar, no próprio “lombo’ e debaixo de um sol causticante.

Por determinação divina ou pura sorte, a trilha escolhida pelos “aventureiros” em direção a terra que poderia ser “a prometida”, apontava o rumo do Maranhão. Rota que fora percorrida, em outros momentos semelhantes, por centenas de conterrâneos seus, a fim de escaparem das repetidas crises hídricas impostas pela dureza do clima e a ganância dos “coronéis” proprietários terras.

A Estrada Ferro São Luís-Teresina foi a porta de entrada para Pucal e Baiaco chegarem a São Luís. Muitas horas depois, sacolejando no vagão de passageiros, vencendo os obstáculos da viagem, desembarcaram na estação ferroviária da RFFSA, localizada na antiga praia do Caju, próxima a área da igreja dos Remédios e Cais da Sagração (atual área da Av. Beira-Mar, Praça Maria Aragão), sob o olhar circunspecto da bela estátua do poeta maior, Gonçalves Dias.

Naquela época era bastante comum aos olhos dos ludovicences, a chegada de famílias de migrantes cearenses e piauienses, fugindo das secas periódicas.

Depois de alguns dias sem local certo de pouso e alimentação, Pucal e Baiaco pegaram o bonde da linha do Anil e se infiltraram pelo interior da ilha de São Luís, na direção do distrito de Paço do Lumiar e o município de São José de Ribamar. Depois de muitas horas de caminhada, no final da tarde morna e úmida, tão comuns nestas bandas da Amazônia Maranhense, os companheiros de “aventura” viram sua busca chegar ao fim. Eles avistaram uma enorme extensão de terras sem cercas, devolutas, assim esperavam, bordada de manguezais que se derramavam em direção ao mar. Uma bela praia de areias brancas e finas, que recebeu mais tarde, o nome de Praia da Raposa.

Pescadores experientes, acostumados as dificuldades impostas pela pobreza material, sabiam intimamente, que poderiam ter chegado ao final da jornada. Isto é, se não aparecesse um “dono” que reivindicasse a posse das terras. Pelo sim, pelo não, agora, eles poderiam dizer que tinham terras para morar, cultivar e pescado em abundância para matar a fome. Seca e falta d’água, nunca mais.

Dizem os moradores mais antigos, descendentes dos primeiros cearenses assentados, que as primeiras construções do que seria o futuro povoado da praia da Raposa, foram um casebre de palha de babaçu, para que os dois pescadores se abrigassem do sol, chuva e vento e um curral do tipo “cearense” para capturar o abundante e variado pescado.

A fartura de peixes e a proximidade do mercado consumidor de São Luís e São José de Ribamar, logo permitiu que os cearenses prosperassem e partissem para a segunda etapa da missão: Trazer as famílias, chamar os parentes e amigos mais próximos que viviam dramas semelhantes na sua comunidade do Ceará.

Com o passar dos anos, o núcleo de pescadores foi se firmando. Os moradores da povoação conta, agora, também, com maranhenses, ex-moradores de povoados vizinhos a praia da Raposa.

Se o “embornal” das famílias dos migrantes cearenses, estava carregado do linguajar cantado e cheio de “vícios” fonéticos, também trazia preciosos ensinamentos na arte de sobreviver em ambientes áridos, com poucos recursos naturais e quase nada em dinheiro. Estes conhecimentos serviram muito para proporcionar uma convivência pacífica e produtiva com o “povo do Ceará” com os maranhenses.

Renda de bilros

Um dos legados mais importantes, preservados inclusive pelos maranhenses descendentes dos pioneiros, é o artesanato da renda de bilros. É um bordado, criativo, delicado e fino, modelado durante horas e horas, em cima de uma almofada recheada de folhas de bananeira, manipuladas por dezenas de pequenos de acessórios chamados bilros, seguindo um caminho desenhado previamente, cheios de linhas coloridas e travados com espinhos da palmeira do tucunzeiro.

Em 1978, a fartura do pescado já colocava a Raposa numa posição de destaque em relação a produção de pescado na ilha. O produto barato e fresco apresentava a melhor alternativa aos preços às feiras e mercados de São Luís, São José de Ribamar e Paço do Lumiar.

A atração exercida pelo peixe de boa qualidade tornava quase obrigatório, para quem possuía carro, um passeio de final de semana, acompanhado da família e amigos, à praia da Raposa, para degustar o peixe frito, tomar banho de mar e comprar   pescados recém-chegados do mar e diretamente das mãos dos pescadores.

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As fotografias foram captadas do fotograma do filme Super 8 “Pescadores da Raposa”.

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