O presépio encantado de Dona Maroca

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Por Fernando Oliveira (jornalista)

Hoje, 6 de janeiro, data em que se comemoram os Santos Reis, era dia de queimar palhinhas no presépio da casa dos meus avós maternos, Dona Maroca e Pedro Oliveira, montado com todo o esmero pela minha prima Socorro. Ocupava sempre o mesmo canto da sala, no andar de cima do belo sobrado da Rua Regente Bráulio, ou Fonte das Pedras, já que, no Centro da cidade, muitas ruas têm dois nomes.

Por lá, passei boa parte da minha infância e adolescência. A sala era grande, com muitas janelas, de onde se avistavam os telhados da casa vizinha — em que eu morava com os meus pais e irmãos — e o mirante do imponente prédio do antigo Sioge. Quando vinha uma chuva de repente, era uma correria para fechar tanta janela.

Socorrinho, como a chamávamos, era uma artista caprichosa e detalhista. O presépio era enorme, cheio de imagens, que reproduziam a cena do nascimento de Cristo em uma manjedoura. Além da sagrada família e dos três reis magos, reunia peças de animais de todo tipo: galinha, pato, carneiro, jumento, bezerro, cavalo. O cenário se emoldurava pelo pisca-pisca das luzes e por uma planta cujo nome não recordo. A maior parte dela seria consumida pelas chamas no Dia dos Reis.

Como gostava daquele ritual! Do estalar dos galhos pegando fogo e do cheirinho agradável que subia com a fumaça. Segundo a tradição, tinha que fazer um pedido antes de a brasa se apagar.

A queimação de palhinhas era um acontecimento e tanto. Iam as tias, primas, os irmãos. A casa ficava um alvoroço. Tudo regado aos doces preparados pela minha avó postiça e quituteira de mão cheia, a querida “vó Mãezinha”. Dolores — era o seu nome de batismo — dedicou a vida aos meus avós, era amada por todos, uma joia preciosa da família e partiu prestes a completar cem anos, ainda com uma lucidez espantosa.

Uma crendice bastante difundida à época era a de que quem fazia presépio uma vez era obrigado a montar pelo resto da vida, se não morreria algum parente. A obrigação, óbvio, nunca deixou de ser cumprida enquanto a matriarca da família Oliveira viveu.

Tinha quinze anos quando a minha avó morreu. Desde então, poucas vezes participei do rito que marca o encerramento das celebrações natalinas. O encanto daquela época na casa de Dona Maroca e de seu Pedro Oliveira, no entanto, não se repetiria jamais

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