Conjugando bem o verbo moer

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Havia (ou há) uma fama de que o maranhense fala o melhor Português do Brasil.   O escritor goiano Manoel Bueno Brito (Nequito), membro da Academia Goiana de Letras, descreve um episódio, em Goiânia, no qual ele identifica um maranhense pela conjugação verbal.

 

Carne Moída

No supermercado, rente ao balcão do açougue, o cliente, com jeito de quem não é nem do lugar nem do ramo, pergunta ao prestativo atendente:

– Por favor, que carne é esta aqui?

– É um pedaço do lagarto, seu moço. Vai levar?

– Vou. Quero 1 quilo desse bicho.

– Pois não: 1 quilo, no capricho.

Vivacidade e alegria – de vez em quando, uma rima – garantiam-lhe boa clientela. Rapidamente, enquanto cortava, mandou a pergunta terminal, conforme a prática de atender bem e despachar depressa:

– O que mais?

– ½ quilo, quero que moa. Duas vezes, por favor.                                           .

O atendente balançou, viu que eu, o seguinte na fila, também tinha ouvido e, com ares de galhofa, quis tirar a dúvida, logo comigo, que só aprendo na incerteza:

– Não é qui mói?

Captei-lhe a malícia na intenção de corrigir, o que incluía rir-se um pouco, do outro, às custas do “que moa”.

– Desentendi e escapei: o moço – assim tratado, ele sorriu – quer uma metade inteira. A outra metade é de carne moída. Certo?

O freguês vira que eu vi. Os dois entenderam meu não, cada um do seu jeito. Moeu-se a carne, entregue ao comprador satisfeito.

Lá estava ele na saída, aliás, disse, me esperava:

– Bem vi que, esperto, saíste pela tangente.

– Mas vejo que de ti não escapei. És maranhense?

– Como sabes?

– Tua gente é minha gente há muito tempo, desde quando nasci no sertão goiano. Guardo sinais das pessoas, onde passam, como falam, até quando deixam palavras sempre lembradas. Há muito tempo, o(s) verbo(s) me salva(m).

– Então salvaste o verbo.

– Ou vinguei a carne? Não sei. E basta (?)

 

Manoel Bueno Brito (Nequito)

(membro da Academia Goiana de Letras)

Goiânia, 24/12/2023

 

Foto de Goiânia (autor ainda desconhecido): Avenida Anhanguera, uma das principais artérias de Goiânia, que liga a Região Oeste da cidade com a Região Leste, na década de 1950 (provável).

 

Nequito com a prof. Usmay Sardinha

 

 

 

 

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